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Adoradores do Uber: O Futuro do Matinal Jornalismo

Há uma nova seita na área. Os adoradores do Uber. Como todo fanático, o adorador do Uber não aceita reparos ao objeto do seu culto. Imaginava-se que o furor já tivesse passado. Não. Persiste. Essa seita faz parte de outra mais antiga, a dos encantados tecnológicos. Alguns chamam de deslumbrados tecnológicos. Eu adoro tecnologia. Fui informatizado em 1986. Tive meu primeiro Mac em 1993. Depois desse, já devo andar pelo décimo-segundo. Os primeiros celulares não me interessaram. Quando vi um iPhone, não resisti. Gosto, mas me permito fazer críticas. Sou normal. Os adoradores do Uber rejeitam táxis por terem todos os defeitos que, cada vez mais, o Uber repete: motorista mal-educado, de camiseta regata, que não conhece a cidade, atrasos, sem contar cancelamentos e o GPS burro, que manda dobrar onde não pode, como na Ramiro Barcelos à esquerda, vindo pela Protásio Alves, no sentido bairro-centro. Adorador do Uber é como adorador do GPT. Se disser que o GPT erra, arranja muitos inimigos.

O grande problema do Uber é cada vez mais o preço. Como, em Porto Alegre, as tarifas dos táxis estão congeladas há anos, as diferenças se reduziram fortemente. Por um lado, conclui-se o óbvio: como era caro o táxi antes do Uber. Uau! Uber cobra quase sempre mais barato, exceto nos momentos em que realmente se precisa, aí enfia a faca. No meu trajeto diário de casa para o trabalho o preço normal do Uber é R$ 15. O táxi cobra R$ 18. Na hora do pico, quando mais preciso, o Uber salta para R$ 32. O táxi continua em R$ 18. Outro dia, às 13h50, pedi um Uber para esse percurso. Dia de sol, tudo calmo. Preço: R$ 49,90. Táxi: R$ 18. O adorador do Uber acha antiquado levantar a mão para obter o seu transporte. Alguns me aconselham a fazer tomada de preço antes de ir trabalhar. Se duvidar, farei até licitação.

Diante desses abusos, o adorador do Uber exclama como se revelasse um mistério sagrado para uma pessoa destituída de cérebro:

– É a dinâmica, pô!


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É a dinâmica, imbecil, a lei da oferta e da procura, o escambau. Se é a dinâmica então está tudo explicado, nada mais a reclamar. Se não quer, não pega, diz o adorador. Se quiser, pega táxi, autoriza. Não imaginava que fosse possível. Achava que Uber era obrigatório. Não há lógica que torne razoável cobrar R$ 50 por uma corrida de R$ 18. Como o Uber não tem qualquer regulamentação de preço, faz a lei. Imaginemos o pesadelo: os táxis desaparecem, ficam só os aplicativos. Ferrou. Uber explora trabalhadores, ganha um bom naco sem fornecer meios de trabalho. É quase trabalho análogo à escravidão. Sem qualquer direito. Faz quem quer? A vantagem do cliente, quando há, vem do sacrifício do motorista, que a multinacional só recolhe o butim.

O adorador do Uber dá de ombros: foda-se! Eu uso táxi e Uber. Isso não me desautoriza a ver defeitos nos dois sistemas. A fúria dos adoradores do Uber, por ideologia liberal ou por modernidade tecnológica, leva à idealização. Como toda ideologia, esconde o real. Minha utopia é simples: pagar menos por um bom transporte que seja justo com os trabalhadores e dê-lhes condições dignas de atuação. O casamento com o Uber é só na alegria. Na tristeza – doença, quebra do carro, multa –, o aplicativo pode dormir tranquilo. O cliente lava as mãos com gel: “Que tenho eu com isso. Quero é me dar bem”. Regulamentação? Que coisa antiga, de comunista, do paleolítico.

Tenho um amigo nacionalista que só usa aplicativo local. Não quer contribuir com exportação de lucros obtidos no Brasil. Na opinião dele, nada mais retrógrado do que precisar de uma multinacional para chamar um táxi. Para ele, carro de aplicativo, é táxi. Quando Uber aplicava a mentira de que era carona, meu amigo surtava: estelionato!

É assim: adorador aceita ser explorado. Ajoelha-se diante do mestre. Repete a cantilena do ídolo como se fosse a luz do sol. Sente-se muito superior por não enxergar um palmo diante do celular. Se faltar argumento, recorre ao infalível golpe do etarismo:

– Coisa de velho!

– Sério?

– É dinâmica, porra!

Acho que já posso voltar a andar de ônibus.

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